segunda-feira, 11 de abril de 2016

Cinema como forma de ocupação da cidade-entre sensibilidades e conflitos

Territórios sensíveis- 11/04/16-Projeto Ciclo Cine Afonso Pena


Em muitos contextos falou-se que a praça é do povo, bem e espaço irrevogável para o exercício da cidadania. Assim, ocupá-la seria tornar-se parte de uma esfera pública permeada de negociações e alguns conflitos, alguns, digam-se de passagem, bastante interessantes. Na Praça Afonso Pena,no bairro da Tijuca, não é diferente.A começar pelo acesso, disponível para pedestres,motoristas,ciclistas e ponto de saída da linha 1 do pequeno, simples,mas ainda existente metrô do Rio de Janeiro. Nas noites de sábado, como pude conferir, somam-se aos já citados frequentadores, pipoqueiros, pula-pulas, carrinhos elétricos de aluguel, vendedores de churros e muitas, muitas bicicletas. Aqui e ali, crianças e cachorros correm e lá no fundo um samba engajado desfia seu repertório. Nessa polifonia de diferentes atividades fica difícil localizar onde seria a projeção do Ciclo Cine. Finalmente encontro uma tela estendida bem perto da saída do metrô e algumas bicicletas aglomeradas junto à equipe, que lidava com as intempéries do sistema de som de seu triciclo audiovisual (http://movimentoconviva.com.br/projecoes-de-bike-por-sp/). Para minha total surpresa, não se tratava de apenas uma projeção, onde a narrativa seria menos importante do que a ocupação do espaço. Afinal, o Ciclo Cine tem uma causa, que é nos convidar a refletir sobre mobilidade urbana e ocupação do espaço público. Assim, projetam filmes sobre movimentos de ciclistas ao redor do país e na América Latina. O engajamento extrapola a tela, pois os participantes vem à praça em suas bicicletas, combinam encontros e buscam convidar outras pessoas para participar dos passeios e mobilizações. Enquanto converso com uma participante que, voluntariamente, me conta que costuma ir de bicicleta da Central do Brasil ao Leblon (!) o filme começa. Estamos todos sentados em cangas, no meio-fio,na grama, apoiados nas bicicletas ou mesmo em pé. Aqui e ali, cada um encontra sua forma de habitar, deitando no chão, tirando os sapatos e até abrindo garrafas de vinho, como uma forma de potencializar a experiência estética e coletiva em suas mais diversas formas. No passeio da praça muita gente passa e interrompe seu percurso para observar o filme, ou mesmo para interferir na tela, seja projetando sua sombra ou tentando chamar atenção pelo barulho de bicicletas e carrinhos. É muito interessante perceber o quanto aquele espaço se torna um microcosmos da própria narrativa dos filmes. Enquanto na tela ciclistas de Montevidéu caminham pelas ruas da cidade pedindo espaço e direitos de ocupação e circulação, ali na praça bicicletas, pedestres e nós dividimos espaço com enormes carrinhos infantis elétricos, onde pais exaustos se esforçam para segurar seus empolgados rebentos. E, como é de se imaginar, ocorrem conflitos, pela interrupção do áudio do filme, pelo atravessamento da tela por corpos, carros e bicicletas. O espaço público torna-se espaço narrativo, polifônico, onde corpos e veículos negociam seus lugares,intervém na mobilidade de cada um, constroem modos de vida e olhares para a cidade. No interagir torna-se necessário repensar na forma como ocupamos o espaço urbano e nos imaginários que absorvemos e reproduzimos,em nossas práticas e nas práticas que legamos a nossos filhos. Seria apenas um brinquedo ensinar nossos filhos a pilotar veículos, em detrimento de acostumá-los ao exercício de pedalar pelas ruas, ocupando-as e ressignificando a forma de estar no mundo?Que tipo de educação dar a eles, quando lhes incutimos desde cedo a tarefa de manipular grandes máquinas motoras onde estarão quase sempre solitariamente atravessando a cidade?Também eu não tenho a resposta, pois também fui criada para vincular minha emancipação à habilidade de conduzir um veículo automotivo, muito mais do que uma bicicleta. Mas ali,compartilhando o espaço com aquelas pessoas, me senti maravilhosamente sendo sacudida por outras formas de pensar, que fatalmente me farão refletir sobre muitas outras coisas e , quem sabe,a tomar atitudes em relação à forma como me desloco no mundo. Mais do que uma experiência estética no sentido da fruição, a projeção de filmes do Ciclo Cine tornou-se sensível pela força com que me levou a refletir sobre mim, sobre minhas escolhas e representações. E tal fato só ocorreu, imagino eu, posto que a tela do cinema ampliou-se para abarcar a praça, transfigurando-a em espaço político, de compartilhamento e negociação de formas de estar no mundo.








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