quarta-feira, 27 de abril de 2016

Territórios sensíveis-ocupar é resistir.

Varrer o chão. Abrir a janela. Dobrar as cobertas.Preparar o café.Arrumar a sala.Passar a chave na porta. Gerenciar os mantimentos. Organizar os livros. Estudar. Bater papo com os amigos.Jogar bola. Essa e outras inúmeras coisas, das que preenchem todas as horas do dia e compõem aquilo que chamamos cotidiano. Essas e outras inúmeras coisas que compõem o cotidiano de uma escola sem muros,uma escola ocupada. Logo na entrada, há o controle de entrada e saída. Não se enganem, não há seguranças contratados.Os próprios alunos controlam quem entra e sai, em um sistema extremamente organizado,principalmente para quem conhece os hábitos de adolescentes. São todos muito jovens e todos têm uma função e sabem da função do outro e à qual equipe pertence. Sim, são muitos, da limpeza à comissão de atividades, passando pela comunicação. Nesses microcosmos adentramos para mais uma sessão de cineclube. Como em qualquer lugar, há que se construir o cenário, ou seja, a sala de exibição e debate. Para isso, será preciso localizar os equipamentos, o projetor e um lugar que comporte todos eles. E por mais que alguns lugares da escola estejam com móveis e equipamentos que dificultam a passagem eles, os alunos, sabem onde está cada coisa.São os donos legítimos do lugar e para entrar em cada escola é preciso que se saiba que ali os donos da casa são eles.Sua legitimidade reside no sentido do pertencimento, pois aquele chão que pisam é o mesmo onde habitam todos os dias, que limpam diariamente, onde alguns dormem e onde se reúnem as vezes. Em cada gesto sobressai o carinho e responsabilidade com que cuidam de toda a organização, com que debatem continuamente para que ninguém se aproveite do trabalho alheio e para que nada fique fora do lugar. Os professores, quando há, dão o apoio e segurança necessários, mas o protagonismo é todo deles. Não pensem que não há balburdia, que não fazem barulho, maravilhosamente fazem. Gritam às vezes,dançam no pátio, perseguem uns aos outros, eles só têm 15 anos, afinal. Mas essa é só a menor parte de um cotidiano permeado de responsabilidades. E em cada rosto não é preciso que se fale para que possamos perceber o quanto amadurecem na experiência que vivenciam. Da nossa parte cabe montar o cenário, ajudar a montar o DVD, a forrar as janelas,arrumar as cadeiras. E esperá-los chegar. Vão entrando na sala aos poucos, sentam,se agrupam,procuram um bom lugar. Como em todos os lugares nos quais faço a exibição de filmes, a experiência do cinema é algo itinerante, cheia de interrupções, conversas, risadas que poderiam incomodar o cinéfilo mais conservador. Mas, se olharmos bem, a seu modo eles estão ali, se apropriando da narrativa, comentando-a, aproveitando o espaço do cinema para construir formas bem próprias de sociabilidade, de estarem juntos. Estamos com 20 minutos do filme quando entra em sala a estrela da festa: ela, a pipoca. Sobraçando um enorme tupperware uma das alunas declara: “sem pipoca não tem cinema”, para alegria geral. E em meio a disputas pela pipoca, comentários e risadas, chegamos ao final do filme. Sentada na última cadeira da sala, penso na importância da experiência desses meninos, no quanto estão formando seu caráter e contribuindo para sua educação e a dos amigos. Educação não aquela, formal, de muros, regras e números, mas a boa, que se faz junto, cotidianamente, na apropriação do espaço e dos afetos, no lugar que se criai pelos territórios sensíveis que os meninos constroem todos os dias. E nessa educação, nós adultos estamos anos luz aquém deles, não chegamos sequer ao maternal.





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