terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Territórios sensíveis-20/02/16-IPPMG George, o contador de histórias.
Levar a experiência do cinema ao hospital é permitir aos pacientes o contato com narrativas diferentes, novas formas de ver e transver o mundo... Mas é ir além,possibilitando-os, mais do que ouvir e ler, falar. Por vezes, é tudo o que querem. Assim me parece ser George, menino de uns oito anos,esperto como ele só, que anda serelepe pela enfermaria..Junto com Lucas e Thais, George manifesta interesse pelos filmes,mas também,como todos, pede o de sempre.A saber, Velozes e Furiosos.. Explico pacientemente (acho) que vou exibir filmes que ele não conhece e recebo em troca uma revirada de olhos que me faz rir... Equipamentos montados, descobrimos que Lucas adora filmes de terror e exibimos o maravilhoso Histórias assombradas para crianças malcriadas...https://www.youtube.com/watch?v=W32HluLAuuw, que os meninos recebem com algum (pouco) interesse. Logo em seguida, exibimos O Garoto, curta-metragem inspirado no clássico de Chaplin e, para minha surpresa, é muito bem recebido por quase todos, principalmente Thais... George, ao contrário, volta pra seu leito e esconde a cabeça debaixo do lençol....Então resolvo apelar e lanço mão de Ernesto.. Pronto. Consegui!Aos poucos, George consegue ser convocado pela tela e assiste com interesse ao filme. Mais um ponto pro futebol...Ao final da exibição, uma das professoras distribui plaquinhas de classificação para os meninos representarem o que acharam do filme e os três afirmam baterem palmas para Ernesto.. Mais à vontade, George me conta sobre os filmes que gosta sobre o que achou de Ernesto e sobre a menina, Suellen, que dorme no outro lado da enfermaria... Alem disso,observador, conta que Thais e Lucas estavam sentados muito próximos,na exibição de Ernesto..E me pede para eu fazer o favor de passar mais filmes. Escolhemos Picolé, pintinho e pipa e George literalmente “entra no filme” (uma história de meninos moradores de comunidades cariocas)... Ao passo que não tira os olhos da tela, o menino levanta,se aproxima, cutuca os amigos e não para de fazer comentários nem um minuto sequer.Quase no final,um pedido: “tia,pausa aí,pra eu poder ir no banheiro?” Pedido aceito, filme visto,os meninos pedem que eu repita um dos filmes.Concordo e peço que decidam no par ou ímpar. George perde e fica cabisbaixo, mas não comenta nada até o final da reexibição de Ernesto. Então,o menino vem até mim e pede,sorrindo: “pode passar o outro também?”Riso geral.Após o último filme, faço uma brincadeira de planos com todos os pacientes e ,logo depois,me despeço de todos.. Volto pra casa pensando em como a enfermaria se torna um microcosmos de sociabilidade. Cada ator,cada ação,reflete ações e personagens do cotidiano além muros do hospital..Há ali espaço para amizades,namoros e desentendimentos entre os pacientes.... Nesse espaço, propor o cinema pode parecer pouco para tantas possibilidades narrativas. Afinal,há vídeos,câmeras,imagens,todas disponíveis na palma da mão dos pais que acompanham seus filhos ao hospital..A diferença parece estar na memória do cinema,como o espaço da tela grande, que o uso do projetor reforça.Mas não só isso. Quando falamos em cinema remetemos ao compartilhamento de uma experiência, construída no ato de sentarmos juntos em redor de uma tela e fruirmos daquela narrativa. Parece-me que é o contato do outro o componente diferenciador. Da mesma forma, a invasão da enfermaria por uma projeção geralmente causa surpresa e sorrisos.Não é raro que,no momento da exibição de filmes vejamos profissionais de saúde parados do outro lado do vidro da sala ,surpreendidos com a ação. Muitos ficam alguns minutos observando o filme, chamam outros colegas e, momentos depois, voltam a seus afazeres. É nessa suspensão do cotidiano e na ressignificação do espaço em que talvez o cinema no hospital tenha seu componente de fato transformador. Mas, jamais o será tão transformador,pelo menos para mim, do que contemplar os rostos dos pacientes,quando conseguem se deixar convocar pela narrativa fílmica.Sorriso no rosto,concentrados,naquele momento de entrega, vejo claramente a magia do cinema acontecer,diante dos meus olhos.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Territórios sensíveis-16/01/16-Cinema no IPPMG
- “Tia, tem Velozes e furiosos?”
Na primeira sessão de cinema do ano os pedidos não mudaram. Seja qual for a idade, a enfermaria ou o estado de saúde, pacientes e acompanhantes sempre pedem a mesma coisa: um filme blockbuster. Afinal, se levamos o cinema para eles, por que não seria algo que já conhecem? É difícil compreenderem que os filmes do acervo não estão no cinema da esquina, mas foram feitos como instrumentos de uma educação audiovisual que nem sempre os pequenos espectadores estão dispostos a aceitar. Tenho a tendência a conversar com todos sobre suas preferências e percebo que, para a grande maioria, o cinema é como uma televisão em que encontram os mesmos produtos e personagens em um ambiente mais confortável e com pipoca de qualidade. No hospital, em meio à agitação da enfermaria, com frestas de cidade entrando pelas cortinas rasgadas e quando qualquer um pode de repente interromper a exibição do filme, como é possível existir experiência cinematográfica? Enquanto penso sobre essa questão, exibo Príncipes e Princesas, Minhocas e, claro, o agora já clássico Ernesto no país do futebol . É incrível como a temática do futebol vence muros de impaciência e preguiça e convoca os olhares dos meninos. Apesar de emburrado, pois não exibi nenhum dois vários filmes blockbusters que me pediu, um dos meninos (meio a contragosto) assistiu ao filme. No final, quando os créditos são acompanhados pela execução do hino nacional, alguns pais cantavam junto. Mais um imaginário forte a ser trabalhado, esse referente ao patriotismo de cada um. Seria mesmo necessário um signo comum para que houvesse a comunicação?E, havendo comunicação, seria ela da ordem do sensível, ou apenas um compartilhamento temporário de lugares e experiências estéticas?Porque, por vezes há sorrisos em seus rostos, mas seria possível que o sensível os atingisse para além do entretenimento?Tais são algumas perguntas que me faço, enquanto guardo os equipamentos no armário.
Na primeira sessão de cinema do ano os pedidos não mudaram. Seja qual for a idade, a enfermaria ou o estado de saúde, pacientes e acompanhantes sempre pedem a mesma coisa: um filme blockbuster. Afinal, se levamos o cinema para eles, por que não seria algo que já conhecem? É difícil compreenderem que os filmes do acervo não estão no cinema da esquina, mas foram feitos como instrumentos de uma educação audiovisual que nem sempre os pequenos espectadores estão dispostos a aceitar. Tenho a tendência a conversar com todos sobre suas preferências e percebo que, para a grande maioria, o cinema é como uma televisão em que encontram os mesmos produtos e personagens em um ambiente mais confortável e com pipoca de qualidade. No hospital, em meio à agitação da enfermaria, com frestas de cidade entrando pelas cortinas rasgadas e quando qualquer um pode de repente interromper a exibição do filme, como é possível existir experiência cinematográfica? Enquanto penso sobre essa questão, exibo Príncipes e Princesas, Minhocas e, claro, o agora já clássico Ernesto no país do futebol . É incrível como a temática do futebol vence muros de impaciência e preguiça e convoca os olhares dos meninos. Apesar de emburrado, pois não exibi nenhum dois vários filmes blockbusters que me pediu, um dos meninos (meio a contragosto) assistiu ao filme. No final, quando os créditos são acompanhados pela execução do hino nacional, alguns pais cantavam junto. Mais um imaginário forte a ser trabalhado, esse referente ao patriotismo de cada um. Seria mesmo necessário um signo comum para que houvesse a comunicação?E, havendo comunicação, seria ela da ordem do sensível, ou apenas um compartilhamento temporário de lugares e experiências estéticas?Porque, por vezes há sorrisos em seus rostos, mas seria possível que o sensível os atingisse para além do entretenimento?Tais são algumas perguntas que me faço, enquanto guardo os equipamentos no armário.
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