segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Territórios Sensíveis-Modos de Ocupação-Cinevila-23/03/17

Sobre ocupar espaços com corpos, imagens, sonoridades, narrativas. Sobre propor linguagens outras, que ressignifiquem e intervenham, atravessem o cimento dos prédios e se sobreponham aos sons cotidianos das televisões e rádios. Assim é a experiência do Cinevila, iniciativa de cinema que ocorre desde início de 2016 na Praça Tobias Barreto, em Vila Isabel. Para o encontro de março o tema não poderia ser outro: o dia das mulheres. Já de início é possível perceber que o coletivo ocupa literalmente a praça. Em fios e caixas de som, cangas espalhadas e caixotes de madeira marcam o semicírculo em volta da tela, que ainda não foi montada. Logo, um varal de fotos é pendurado, com a temática do dia e uma placa, junto à grade indica que ali acontecerá o Cine Vila. Estamos no crepúsculo e, para dar mais bossa ao encontro, pequenas luzes coloridas são amarradas às arvores e espacializam as paredes da sala de exibição a céu aberto. Engraçado pensar como em toda experiência de cinema de rua há sempre o elemento que define os limites do dentro e do fora, como bem identificara George Simmel ao falar da metrópole moderna. Enquanto a tela é ajustada, começa a chegar mais gente, que se espalha pelo chão da praça, como se fossa a própria sala. Não importa que nessa “sala’ existam ônibus, trocadores, carros, motos, dividindo espaço, físico e sonoro, com o som do primeiro filme da noite, que estreia a tela itinerante. O vento move a tela e a tela move a praça, convocando os olhares de quem passa e não conhece ainda o projeto. Aqui e ali, corpos se estendem na esteira, debruçam na janela para ver que som é esse que invadiu a sala e interrompeu a hora do jornal nacional. Ali na esquina o senhor, com o jornal na mão, parou para ver. E se na pauta do telejornal a demanda do feminino ainda não tem o espaço merecido, as caixas de som do Cinevila garantem a entrada do assunto nas varandas alheias. Ainda que não se queira, os moradores da praça Tobias Barreto ouvem a fala sobre abuso, sexualidade, aborto e empoderamento. E se, na sala de cinema, via de regra o público escolhe o que vai ver, no cinema na praça há a presença do público indireto, que é atravessado pelas narrativas sonoras e imagéticas. Assim, debates, ideias, conceitos e afetos cruzam o espaço dos corpos, propondo outras experiências do cotidiano. Texto escrito em 13/11/2017


créditos:foto oficial Cine Vila

Territórios Sensíveis-Modos de Ocupação-Cine Giro 300716

Que toda praça seja um local de cultura. Essa é a premissa do Cinegiro.Elaborado a partir de um edital da secretaria municipal de cultura e unindo dois coletivos de arte, o projeto rodou, ao longo de 2016, em 4 praças da cidade. Acompanhei as ações em duas delas, no Jardim do Meier e no Castelo. Na primeira delas(que conto nesse texto), pude perceber, logo de início, a força da ocupação da praça, quando o cinema está presente. A ação tem como foco música e cinema, unindo debates e comidinhas também e transformando o espaço onde se instalou. Para quem não conhece, a Avenida Churchil, no Centro do Rio é um espaço em que o transito caótico da cidade tem lugar. Por entre carros, motos e ônibus, fica difícil imaginar onde uma tela teria lugar. Ainda assim a boa estrutura do CineGiro se instala e logo espalha cadeiras e barracas pela rua. A ocupação não se faz esperar, ressignificando-os espaços. Logo os participantes começam a dividir espaço com ônibus e motos. E quando as caixas acústicas são ligadas, outro componente vem dar mais uma dimensão à cidade: o som. Assim, as bandas que se apresentam em plena rua criam novas paisagens sonoras, em dissonância com os roncos dos motores dos ônibus. E então começa a exibição e as cadeiras de madeira se espalham em torno da tela, criando uma sala de exibição sem muros, onde os espectadores podem estar a menos de 1 metro de um carro que manobra, enquanto a narrativa fílmica se desenrola ali perto. É possível perceber em cada lugar os elementos de uma sala de exibição, como o sistema de som e as cadeiras, mas também esses elementos se ressignificam na interação com a cidade, com o ranger das portas dos ônibus, os barulhos dos freios dos carros, as luzes dos poucos prédios residenciais. Há quem se sente no chão da rua, no meio fio, sobre os carros, há quem passe e pare por alguns segundos, espantado com a luz da tela. Aqui e ali, o cinema se torna um fluxo contínuo de sons, pessoas e imagens, que se fundem na cidade, criando narrativas em múltiplas dimensões.

Texto escrito em 12/11/17