quinta-feira, 19 de abril de 2018

Imagens frágeis

Territórios sensíveis-05/04/18-Enfermaria HU 9a37



Se a essência do cinema está no que é exibido na tela, como definir a experiência que transforma sujeitos, espaço e tempo, mas que exibe na tela imagens difíceis de serem enxergadas, como a iluminada enfermaria do HU. E se o cinema não está na tela, onde estaria? Não faltam, entretanto, os elementos fundamentais da exibição. O projetor, o filme, o espaço de exibição. Isso sem falar no público. Qual seria a diferença: é que o público, em vez de sentado em poltronas comuns, está deitado em macas, conectado a aparelhos, por vezes sedado e adormecido após procedimentos invasivos, cansado e dolorido em sua espera pela cura. Talvez justamente por isso o momento em que olham para a tela é extremamente importante. Nesse dia, demoramos a entrar na enfermaria. Há uma maca que precisa ser realocada, com uma nova paciente. Também há duas senhoras dormindo. Quando começamos a atividade, seu acompanhante pede que esperemos para que possa acordá-la, para que não se assuste com o som. Informado de que abaixaremos o áudio ao mínimo, ele se tranquiliza. Logo depois, resolve por ele mesmo acordá-la para que possa ver o filme e pede também que a maca seja realocada, para que a senhora possa ver. Pronto! Nesse gesto simples, acabou de se constituir nosso público, apesar dos aparelhos, apesar das dores e do cansaço, seu corpo ocupou seu espaço na experiência e a partir daí, fez-se uma relação espaço e tempo distinta, construída da possibilidade do cinema afetar o corpo e o corpo assim afetar o espaço e o tempo. E que afetos são esses? São feitos de sons, imagens e memórias, que nos chegam através da música do Clube da esquina, filme exibido na voz calma de Milton Nascimento, onde aprendemos que sonhos não envelhecem, estejam os corpos acamados, incapacitados, doloridos e esteja o cinema enfraquecido em sua porção técnica, imagens translúcidas, frágeis, efêmeras em um espaço em constante modificação. Mas é quando os rostos de 4 pacientes e 3 acompanhantes, mais 4 participantes da atividade se voltam para a mesma experiência em cantarolam o clube da esquina que percebo que é na fragilidade deste espaço, entre os sujeitos e o cinema, que reside nossa principal força.

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