terça-feira, 1 de novembro de 2016

territórios sensíveis- 281016

Duas horas.120 minutos. Nove crianças. Duas enfermarias. Seis filmes. Quantitativamente, a experiência do cinema nesta última sexta-feira tem números relevantes.Afinal, não é todo dia que conseguimos montar a projeção em três ambientes, com escolha de filmes pelos meninos e,nos intervalos, a prática com brinquedos óticos.Mais do que isso, com a participação de quase todas as crianças internadas.Contudo,o valor maior da prática de não está nos números, mas nos rostos, na percepção de que realmente conseguimos criar um ambiente sensível para além dos muros, que se reflete nos olhos das crianças,nas mãos curiosas que se apropriam dos flipbooks e do praxinoscópio e o fazem girar. Se o projeto de cinema tem uma particularidade, já diversas vezes citada, é sua imprevisibilidade,dadas as reconfigurações constantes do seu ambiente.Talvez por isso também, os limites de seu território são impossíveis de precisar, podendo expandir-se ou encolher-se ao sabor dos acontecimentos.Assim foi hoje.Tão logo começamos, recebemos o apoio entusiasmado de todas as crianças internadas,seja escolhendo filmes, fazendo muitas perguntas ou apenas ajeitando-se na cama para melhor assistirem ao filme.Tenho hoje uma faixa etária que poderia definir entre os seis e doze anos , divididos entre meninos e meninas..Contudo com nenhum deles temos a rejeição ao cardápio de filmes,como costuma acontecer sempre que temos crianças mais velhas entre nós. O primeiro filme a ser exibido é Ernesto no país do futebol,escolhido por mim para Miguel, cuja mãe informa que ele tinha predileção por futebol. Enquanto isso, trago o praxinoscópio diante de Pérola, que fica encantada e me pergunta onde vou exibir o filme.Respondo que vou arrumar a cortina(todos os filmes são exibidos no blackout da enfermaria)para podermos começar a sessão. Ela sorri e diz “puxa,então nem vai parecer mais a enfermaria,vai ficar igual o cinema,só falta a pipoca”, me fazendo sorrir. A referência à pipoca é uma unanimidade entre adultos e crianças internados e sempre me pego pensando se seria possível ,pelo menos um dia,atender a essa solicitação.Enquanto mostro a Alessandro(que já participara antes de outra exibição,pois me recordo de seu rosto) o brinquedo ótico, peço às demais crianças que escolham seus filmes. Algumas escolhem devido ao nome. Outras,por intervenção materna. Recebo o pedido para exibir Cada qual com cada seu, filme de 15 minutos que fala de crianças do Rio de Janeiro. E sou surpreendida pelo pedido para ver A velha a fiar, que resgata jogos de memória, tão presentes nas brincadeiras infantis. Após o filme, as crianças recebem as plaquinhas, para que possam manifestar suas opiniões sobre os filmes e todas exibem a placa do bonequinho aplaudindo.Estamos na terceira exibição quando recebo o pedido para que visite outra enfermaria,porque há dois meninos,Ruan e Leonardo, que estão recebendo transfusão e queriam muito ver filmes. É interessante como a grande maioria dos profissionais de saúde enxerga o cinema como uma distração,mero entretenimento.Contudo, quando assistem aos filmes as crianças por vezes deixam seus jogos, tvs,tablets e brinquedos para concentrarem-se na experiência fílmica,que ocorre em uma cortina rasgada, em meio ao barulho e à movimentação da enfermaria. Se o cinema não serviria para distraí-los mais do que seus costumeiros brinquedos, que componente seria esse que os faria conectar-se à grande imagem à frente?seria o componente inusitado da reconfiguração e ressignificação do espaço? Ainda não consigo precisar. Enquanto isso exibimos o último filme na enfermaria C e partimos para a B,afinal nosso público nos aguarda.Devido ao adiantado da hora já encontrou os meninos sentados em cadeiras e proponho irmos minhocas,animação em stop-motion que sempre encanta adultos e crianças. Como que a confirmar minha fala,logo um pai vem sentar-se com seu bebê, que assiste o filme sem desviar os olhos da tela. Ao final,enquanto aguardamos os equipamentos, consigo me surpreender com a quantidade de atividades realizadas,algo que nunca acontecera antes.Talvez seja o componente necessário à prática: não fazer planos e estar sempre aberto às constantes modificações,caso do dia de hoje.

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