sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O que se aprende quando se aprende Cinema no Hospital

Territórios Sensíveis-18/11/16 Enfermaria C. 5 crianças. Filmes: Liligrafia. Garrafa do diabo Lights out Peste da Janice Príncipes e princesas





“O que se aprende quando se aprende Cinema no Hospital” é a tese maravilhosa de Fernanda Omelzuck (UFRJ), pioneira no projeto de Cinema no IPPMG e uma das maiores responsáveis pela manutenção da atividade. Hoje, durante a prática, a pergunta título da tese persistia em me acompanhar. Quando me dou conta de que estou no hospital há 17 meses começo a perceber as transformações que ocorreram e ainda ocorrem a cada visita. Inicialmente apenas acompanhando as atividades propostas, atravessei um período indo sozinha às enfermarias e tive o pânico inicial de não conseguir dar conta das constantes demandas das crianças ou dos numerosos imprevistos que ocorrem quando se leva o cinema até o hospital. Estão bem claros na memória os primeiros momentos, quando um grupo de crianças ainda muito pequenas insistia em interagir com o projetor, chegando a grudar os olhos na lente, para meu total desespero. Um ano depois as intervenções das crianças me divertem e servem de motivo para que possa propor atividades. Hoje, enquanto elas assistem aos filmes, me pego pensando em práticas voltadas ao conteúdo do filme, à faixa etária e, como de costume, à recepção das crianças. Já consigo compreender o tempo de cada um deles, o momento em que se conectam com a projeção e quando grudam os olhos em mim, esperando mais alguma coisa. Enquanto as entretenho com perguntas, apontando esse ou aquele detalhe do filme, trago exercícios com brinquedos ópticos como o thaumatrópio e o praxinoscópio, nomes impossíveis para a pronúncia das crianças. Eles então reinventam os nomes, se apropriam dos brinquedos, acham graça na forma como são construídos. E, num universo de imagens e tecnologia, ainda me parece mágico que se possa encantar uma criança com um recurso de unir duas imagens e associá-las, apenas girando os discos do thaumatrópio. Mas talvez seja exatamente pelo inusitado que os meninos, ao terem em mãos um recurso de ilusão de óptica, quase todos, independente da idade, sorriem e querem também construir seu próprio brinquedo. As atividades não impedem a projeção dos filmes, que ocorre em paralelo. Enquanto o cardápio de filmes passa de entre eles, ligo o projetor e imediatamente varias mãozinhas começam a interagir com a luz. Entro na brincadeira e proponho que contem histórias com os personagens feitos com as sombras. Risos e negativas.Afinal, não sabem contar historias, dizem. Estimulo-os a criarem formas com as sombras das mãos e surgem um coelho, uma aranha e um cachorro que começam, como era de se esperar, a interagir. Pontuo os personagens e a mise-en-scene e é com espanto que alguns conseguem perceber que sim, acabaram de contar uma história. E ainda estamos no primeiro filme (Peste da Janice). Enquanto oferecemos as plaquinhas para que possam demonstrar se gostaram ou não do filme, peço que identifiquem os personagens e o que aconteceu com eles. E vamos nessa dinâmica ate o segundo filme, Liligrafia. Ali já vejo alguns rostos mais silenciosos e um pouco entediados,pois trata-se de um filme com menos ação. Contudo, uma das meninas interage com a narrativa, descobrindo personagens, enquanto os outros apenas assistem. Ao final do segundo filme recebo o pedido para filmes de terror de três crianças. Temos em arquivo algumas histórias com essa temática, ainda que voltados para o público infantil e, por sugestão de um dos componentes do nosso grupo, exibimos Day Light, curta-metragem de 2 minutos que deixa os meninos eletrizados e que preciso exibir novamente, a pedido da plateia. Contudo, nem todos gostam. Uma das meninas esconde o rosto com o lençol e chega mesmo a virar de costas,dizendo detestar o gênero. Nem mesmo Garrafada do Diabo, o próximo filme a ser exibido, consegue demovê-la da posição. E é assim, de costas para a tela, que ela fica até o momento em que resolvo colocar Príncipes e Princesas, o último dos filmes. Logo que escuta a narração e a palavra princesa a menina olha discretamente por sobre o ombro e instantaneamente se vira para assistir. Ao final do primeiro capítulo do filme (composto de algumas histórias com a mesma temática de príncipes), todas as crianças estão com seus thaumatrópios em mãos e os giram diante dos olhos. Todos menos A., de seus 10 anos, que já conhecemos de outras visitas. Ele não interage conosco, apenas acompanha silenciosamente, enrolado em seu cobertor. Da mesma forma C., na mesma faixa etária, não se aproxima da projeção. Apenas aproveita o recurso da divisória de vidro entre os dois lados da enfermaria para poder assistir ao filme. Paciente de outras semanas de visita, C. também conhece algumas das historias exibidas. É ele que me conta detalhadamente a sinopse de A garrafa do diabo. Ao final do dia percebo que cada um dos meninos vivenciou a experiência com o cinema de uma forma. Seja com a intervenção direta na projeção, através dos brinquedos óticos ao tentarem adivinhar o lugar da câmera ou apenas acompanhando a movimentação, cada criança criou sua própria experiência, compartilhando-a com os demais conforme foi de seu interesse. No momento em que se baixa a luz da enfermaria e se abre uma janela pela projeção dos filmes as crianças interagem, começam a se apropriar das histórias e as dividem com os demais, apontando elementos e debatendo sobre as atividades propostas. Enquanto conversam, nem sempre deixam a porta aberta para que eu entre em suas interações. Preciso pedir licença, como sempre, para que me deixem penetrar nesse território. O minuto em que consigo sua atenção é mágico.e assustador.Por vezes me pego pensando, no meio de uma atividade, o que mais posso fazer para entretê-los e o quanto podem achar interessante determinada prática.Contudo, de todas as atividades nada me deixa mais feliz do que ver suas mãos atravessando a luz, interferindo no filme e criando, instantaneamente novas histórias e personagens,que vão habitar a enfermaria junto com seus criadores.

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