sábado, 17 de setembro de 2016

Meu bem, não chore! Hoje tem filme de Carlitos! Enfermaria C-IPPMG-16/09/16

Na volta das férias, me deparo com uma enfermaria cheia de crianças, todos meninos entre 3 a 8 anos. Proponho a exibição, como sempre fazemos e recebo em troca gritos de “oba, cinema”, “cinema, Cinema, hoje é dia de cinema”,que me deixam muito feliz. Enquanto apresento o cardápio dos filmes a serem exibidos, percebo um menino,dos seus três anos, se aproximar: -Tia, passa meu filme? Pergunto qual é o filme. Ele diz,orgulhoso:Patati-Patatá! Por regra, não exibimos filmes conhecidos, pois o objetivo do projeto é apresentar narrativas e estéticas desconhecidas que, justamente por isso, convidem as crianças a novas experiências com os filmes. Contudo, é preciso negociar e combino com meu mais novo amigo, Marcelo, que sim, passarei um pequeno trecho do filme. Assim, ganho mais um espectador para a exibição, mesmo que sua assistência seja a bordo de um velocípede, com o qual anda por entre as camas, aparelhos e enfermeiras. Logo tenho quatro meninos assistindo ao filme, sentados nas camas, mais Marcelo, que pedala ali por perto e Tiago, que, em vez de assistir à projeção na cortina, prefere se sentar no chão e assistir sozinho, bem perto do computador. O sucesso foi tanto que conseguiu mobilizar até um menino de outra enfermaria, que veio caminhando devagar, bastante debilitado. Enquanto os profissionais de saúde se revezavam no atendimento, tentando não atrapalhar a projeção, a equipe de limpeza aguardava para lavar a enfermaria, um dos meninos era retirado de maca para um exame e o pessoal da logística trazia duas enormes cadeiras de acompanhante, os filmes prosseguiam. Nada além do caos normal.Em cartaz “Caçada ao Saci, “A sombra de Sofia” e “Três Avós”. Estamos no terceiro filme e, enquanto garanto a Marcelo que seu filme será exibido, me dou conta de que um dos meninos, justamente o que estava do outro lado da enfermaria, não veio assistir o filme. Pergunto porque.A mãe me explica que ele está com a imunidade baixa e não pode se aproximar muito das outras crianças. Imediatamente levo o cardápio para ele e me comprometo a levar o projetor para lá, mesmo que isso inclua uma delicada cirurgia no blackout da enfermaria para juntar as partes rasgadas e construir uma tela minimamente decente. Assim foi feito. Filmes exibidos, coloco o DVD de Marcelo e instantaneamente ele começa a dançar e cantar. Vê-lo me faz acreditar ainda mais na potência da relação afetiva com os filmes e como a experiência com a imagem em movimento convoca nossos corpos e sentimentos. Para ele (e para muitos) a imagem deve ser algo conhecido e trazer familiaridade, conforto, remetendo a emoções já vivenciadas antes. Ocorre que o cinema precisa também causar o desconforto,dialogando com o inesperado. E para isso estamos lá. Assim, enquanto fazia o menino aguardar pelo seu filme, de uma forma ou de outra consegui fazê-lo assistir três filmes desconhecidos, imagens que vão se gravar de alguma forma em sua imaginação, germinando novas sementes de olhares e afetos.. Levo então o projetor para o outro lado. Vejo no gesto,no rosto do menino,a alegria de estar incluído na experiência do cinema..Vemos o filme do Saci.Comento sobre Monteiro Lobato e quanto da figura do Saci devemos ao escritor. Imediatamente se estabelece um debate, entre crianças e adultos, sobre nossos personagens preferidos. de repente estamos sentados,lado a lado,em plena sala estar de dona benta, junto a seus netos,ouvindo as malcriações da Emilia e as filosofias do visconde...e a tela do cinema, recém desligada, expandiu-se na memória e nos afetos de todos nós,fazendo-se então coletiva.

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