sábado, 2 de julho de 2016

O pequeno cineasta das cores-IPPMG-0101716

Diz-se de educação que é um processo longo, demorado, através do qual, com muito esforço se consegue adquirir maior senso crítico e, com alguma sorte, uma sensibilidade maior no olhar para o mundo. Pensando dessa forma,a possibilidade de construir um olhar refinado para a expressão artística deveria ser um caminho demorado, ainda mais em se tratando de uma arte tão elitizada como o cinema. Entretanto, o que poderia explicar o arguto olhar do nosso pequeno cineasta que, diante de uma ideia, uma simples proposição, começa a construir, diante de nossos embasbacados olhos, uma narrativa cheia de detalhes, com personagens, figurino, mise-em-scene, marcação de atores, efeitos visuais, do alto dos seus nove anos?De onde saiu essa percepção, se ele, como, aliás, fazem a grande maioria dos meninos de nove anos, não faz nada além de assistir a filmes, jogar seus jogos, passar sua tarde com seus brinquedos?A única coisa que o faz diferente de muitos dos meninos de sua idade é que ele não passa suas tardes no conforto de sua casa, mas na enfermaria infantil de um hospital universitário, conectado a uma dezena de equipamentos que o mantém vivo. Não fosse isso, talvez ele fosse o primeiro cineasta de menos de nove anos dos pais. Não fosse isso,talvez não tivesse o olhar acurado que o faz muito maior que qualquer um de nós.Quando chego ao hospital ele está sentado no corredor da enfermaria, onde o colocaram para que faça diálise.Dali,de onde está,ele contempla o mundo.E é ali que o encontro.Ele me olha de lado,responde laconicamente minhas perguntas,como se minha presença ali não tivesse a mais mínima importância.Até que lhe falo de minha ideia, filmar uma história dele.É então que os olhos brilham e o rosto se transforma completamente.Em instantes,ele começa a me falar de sua história, com personagens saídos de um jogo pelo qual é apaixonado.Olhando os três alunos que estão na porta da enfermaria, ele determina,enfático: “vocês vão participar também“. Logo determina os personagens, o figurino e a participação de cada um. É tão detalhista, que enfatiza as cores exatas e a combinação. Enquanto os alunos seguem encantados com tão inesperada ação, ele continua, dizendo que quer hologramas em seu filme, que devem aparecer em cenas específicas.
- E eu?Pergunto.
-Você vai construir um boneco para mim, um quadrado, com caixas de papelão. É fácil de fazer”, ele me diz, convicto.
Eu pergunto se ele não quer ver o filme que trouxe para ele, para fazer um exercício de contar histórias em cinco planos.A razão da escolha foi o insistente pedido do menino para que trouxéssemos histórias de suspense para ele e a predileção por filmes de monstros, particularmente dinossauros ferozes, como o T-Rex.Ele olha o filme(Noiva cadáver,de Tim Burton) e me diz:
- qual é a historia?
-è uma historia de amor, mas essa é diferente.
-Por que?
-Porque a menina está morta.
Ele me olha e diz:
- Deve ser coisa de zumbi, né?Não quero não. Tenho medo.gosto dos outros,esse não.
Recolho humildemente meu DVD e combino que ele vai pensar na história para semana que vem, quando filmaremos. Explico que se ele não pensar nas cenas,não teremos como filmar e que seu elenco estará pronto na semana que vem.Ele ri e diz:eu vou fazer!
Tinha sido um dia bastante difícil, inclusive porque não conseguimos ver o filme pretendido, pois os equipamentos não estavam disponíveis. Contudo,aquele breve papo,na organização de uma filmagem,me fez sair do hospital com inúmeras ideias e infinita esperança.Que poder era aquele,componente inexplicável, que poderia fazer um menino de nove anos, que passa os dias atrelado a um aparelho, continuar sonhando, colorindo tudo que toca com seus olhos,ávidos por criar?Quais seriam os caminhos possíveis pelos quais fortalecer essa capacidade incrível de criar um mundo apenas porque dessa forma ele acredita que possa ser?Em poucos instantes, ele nos enredara a todos nas tramas da sua história, tornando nossas mentes e corações, senão mais jovens, infinitamente mais coloridos.
Trilha sonora: Nuages- Machine

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