quarta-feira, 2 de março de 2016

Cinema na Rua. Experiências sensíveis e formas de habitar a cidade





Pensar na experiência do cinema é pensar no contato individual com a narrativa fílmica a partir do ambiente escuro, frio e silencioso da sala de exibição, certo? Para o coletivo Projetação essa descrição não poderia estar mais errada. A começar pelo local onde os filmes são exibidos. Há claramente a escolha pela prática do cinema como ocupação de um território, proposta de narrativa que, longe de estar desassociada com o espaço público,intervém, toma posse,ressiginifca lugares da cidade.Assim foi no último dia 24 de fevereiro, na exibição do documentário feito na ocupação de escolas em São Paulo. O filme foi projetado no viaduto de Laranjeiras, entre as movimentadas ruas Pinheiro machado e Laranjeiras, para onde aflui diariamente o tráfego pesado de carros e gente. Isso significa primeiro que o áudio do filme vai ser atravessado pelas mais diversas sonoridades; desde o movimento de pessoas voltando para casa, o tráfego na rua de carros, bicicletas, cachorros e carrinhos de pipoca, principalmente estes últimos. Além disso, o evento reúne apresentação de bandas de música, criação/mostra de textos, pintura e muitas outras atividades acontecendo em conjunto com o filme,até mesmo o próprio filme, pois, além do filme, há projeção de imagens e textos criados na hora na parede do viaduto.Forma-se aí novas narrativas urbanas, circulando do concreto do viaduto ao chão da praça, passando pelo asfalto e pelos carros e ônibus. Em meio a toda essa mistura, chego ao Viaduto e me deparo com poucas pessoas, algumas sentadas no chão, outras confortavelmente instaladas em um murinho, enquanto os organizadores pensam onde vão exibir o filme. Em cima de uma bicicleta está o equipamento, mas os organizadores não têm pressa de montar a parafernália técnica necessária. Ao contrário. Se a ideia é ocupar o espaço, eles se revezam, passeando um após o outro com o equipamento pela pracinha que fica sob o viaduto, até que alguém lembra que é preciso montar a tela, ops, a lona. Enquanto isso, o público que chega ouve um jazz despretensioso tocado pela banda. Tem gente que passa voltando do trabalho, da escola, da padaria e interrompe o caminho para dar uma espiada. Tem gente que chega,senta no chão da praça e tem gente que passa por ali, olha e fica.Caso de um menino de seus 10 anos, provavelmente em situação de rua,que, para ver o filme,que fala de crianças como ele, que ocupam escolas da mesma forma que ele ocupa a praça. Dono da casa, muito à vontade, o menino circula, olha o filme e, por fim, senta do lado dos organizadores, que prometem dividir o dinheiro do “chapéu” com ele. Filme visto, o show continua, com música e pintura, debates e intervenções. Os textos continuam pendurados, em exposição no viaduto.As ilustrações estão impressas no chão da praça. E o cinema, que estava na tela, expandiu-se, multiplicou suas narrativas, ocupou o espaço urbano,fez dele lugar onde os corpos se revezam, constroem recortes, diferentes enquadramentos, propõem montagens e recortes onde a cidade e seus habitantes tornam-se possibilidades narrativas infinitas.

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