sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Cinema no IPPMG- 14/11/2015-Cinema para ver, sentir e pegar

Entrar em uma enfermaria de crianças acamadas significa encontrá-las quietas,amuadas, deitadas em seu leito,correto? Tal definição não poderia estar mais errada. Na enfermaria B, onde fui hoje,pela primeira vez sozinha, o quadro era o mais distinto possível. Pra começar, brinquedos espalhados por todo o chão. Além disso, velocípedes infantis (três,para ser mais exata) dividiam espaço com enfermeiros,médicos,pacientes e acompanhantes e durante todo o tempo em que estive pela enfermaria, ouve um troca-troca de crianças, apostando corrida ao longo do espaço disponível do hospital. Nesse ambiente, propor uma atividade mais tranquila como um filme pode parecer contraditório. E é.Mas há que se acreditar no poder da imagem para convocar os olhares,mesmo aqueles tão pequenos que se sentem encantados pelo mundo a tal ponto de não conseguirem fixar-se em atividades por mais de alguns minutos. E ,mais do que isso,é preciso crer no caráter de novidade quando se abrem as caixas de equipamentos e se monta o cenário, próximo ao que alguns conhecem como cinema.E então vem a grande surpresa:a experiência do cinema que conhecemos é totalmente subvertida pelas crianças da enfermaria. Para eles, a narrativa do filme chega a ser desimportante. A magia consiste então na luz, que os encanta . Logo,assim que o filme começa, muitos vêm correndo, os olhos fixos no projetor, para experimentá-lo,compreendê-lo. E já são muitas mãos tateando o equipamento até o momento mágico em que descobrem que podem interagir com a projeção,alterando-a e até interrompendo-a quando bloqueiam a luz com as pequenas mãos.São muitos risos , no encantamento da descoberta ,pois se dão conta de que podem assim contar sua própria história. Curiosos, tocam a superfície do computador,seguem a direção dos fios e ,pronto! Descobrem as caixas de som.Enquanto peço que tomem cuidado com o ouvido,com os olhos, para que a luz não os incomode, lançam-se com o destemor da primeira infância, postando-se de olhos bem abertos na frente do projetor,como se quisessem mergulhar na luz, apreender os mecanismos de seu funcionamento. Riem muito, de fechar os olhos,quando conseguem interromper o filme e fazem sombras, apontam uns para os outros, criando novas histórias, provavelmente. O cinema, mais do que narrativa,torna-se um brinquedo tátil, manipulável, um território onde não consigo penetrar. Me posto do lado de fora,observando as apropriações, sendo às vezes convocada para que me mostrem o que descobriram de diferente. Por longos minutos esquecem-se do filme, correm para os velocípedes e recomeçam outra brincadeira. Apenas Kauã,o pequeno cineasta,se aborrece com as interrupções. Para ele o ato de ver e fazer filmes é coisa seria.Ele também se entedia com a exibição dos mesmos filmes,mas me propõe passar uma cena, a final,do seu amado filme dos dinossauros. Cedo ao pedido e algumas crianças se incomodam com a exibição nada delicada do Tiranossauro Rex na tela, mas assistem ao filme curiosas. Ao final, proponho passar Kiricoum, animação francesa que consegue afinal captar a atenção de gregos e troianos. A maioria das crianças se senta,ainda que nos velocípedes e assiste inacreditáveis 60 minutos de filme,interagindo com a história ate o final. Mérito da história,mas também das cores e músicas que enriquecem o filme. Em nenhum momento o projetor deixou de ser manipulado,assim como os demais equipamentos.Mais do que cinema para ver,fazer e refletir, hoje percebi uma materialidade na imagem e uma necessidade de compreendê-la que, no caso das crianças, é tátil, convoca todos os sentidos. Nesse experimentar eles inserem-se na experiência, fazendo-se parte da imagem, alterando-a ,tornando-a um objeto de seu vasto imaginário. E eu, que ali chegara com a ideia de oferecer uma experiência cinematográfica, percebi que acabara de testemunhar uma vivência sensível, em tudo isso que sensível quer dizer, posto que cada sentido fora convocado, gerando novas imagens e territorialidades.

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