quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Cinema no HU- Abrindo as portas da memória

Se a experiência com crianças em enfermarias pode ser algo transformador, ainda mais surpreendente é a proposta de exibição de filmes em enfermarias com idosos. Logo, se com as crianças o apelo ao lúdico é um componente básico de acesso, para os idosos, pesar a mão nas brincadeiras pode ter efeito contrário, afastando e emudecendo os pacientes. Mais do que nunca, é necessário encontrar uma linguagem que possa atravessar os muros de silenciamento ,cansaço e tristeza e falar aos afetos dos pacientes. Hoje, no primeiro dia de retomada do projeto de Cinema no Hospital Universitário, uma linguagem foi escolhida: a música. A enfermaria escolhida foi a 9A , com quatro senhoras internadas:Lucia, Elair, Severina e Teresinha.De todas, apenas Severina manifestou vontade de assistir o filme, embora Teresinha tenha falado que adorava cinema, mesmo não lembrando bem qual era seu filme preferido. Nota-se, talvez devido à idade, uma grande lacuna nas narrativas dos idosos, em contrapartida às interações com as crianças. Alguns reclamam de dores, outros têm o olhar perdido, sem responder às perguntas da equipe do CINEAD.Entre os profissionais de saúde, contudo,a expectativa é grande e muitas moças se acumulam na parede da enfermaria, movendo leitos e retirando cadeiras do caminho para que o projetor possa ser montado. E após uma breve explicação sobre a história do cinema e a exibição dos primeiros filmes dos irmãos Lumiére,a escolha do dia, feita pela coordenadora do Cinema no IPPMG:A música segundo Tom Jobim(SANTOS, 2012).Foram necessários apenas os primeiros acordes de bossa nova para que os semblantes,como mágica, se suavizassem.E enquanto Severina acompanhava atenta as músicas que iam se desenrolando na parede,Elair, que dormia quando chegávamos e chegara a resmungar quando começou-se a falar sobre cinema, abriu levemente os olhos e se pôs a escutar.Em dado momento, enquanto a voz de Gal Costa entoava “Se todos fossem iguais a você”, a senhora começou a cantar. Do outro lado da enfermaria, uma residente cantava e dançava, discretamente. Em seguida, a bela canção “Eu não existo sem você” era interpretada por uma cantora que não foi imediatamente reconhecida por muitos de nós.”Elizeth Cardoso” ,alguém lembrou!As imagens de um Rio de Janeiro mais poético e infinitamente mais belo dialogavam com os sons de Tom e Vinicius, encantando a todos e era quase como se a música irrompesse pelos corredores do hospital, sempre tão cheio de dores e espera, convocando os olhares de todos que passavam por aquela enfermaria. E um silêncio profundo fez-se, quase como se a música, como linguagem universal, criasse um imaginário de memória coletiva, sensível, tocando-nos a todos, sem diferença de idade ou estado de saúde. Em algum lugar da memória de cada um aquelas musicas faziam eco, reverberavam, criando uma vinculação quase palpável entre nós. E então, infelizmente, foi hora de ir embora,ao som de “Garota de Ipanema”. Em todos os rostos a música e a memória deixaram uma marca. Mas foi de Elair( a senhora que se mostrara mais arredia no início) a expressão mais doce e o agradecimento com o pedido para que voltássemos . Também Lucia pedira,se possível, para que trouxéssemos Elis Regina. Parodiando Joao Gilberto e já apontando para a programação da próxima semana,fica a pergunta:Chega de saudade?Para nós, a saudade, embalada pelo afeto e pela musica,traçou um caminho preciso entre nós e os pacientes, criando um território de possíveis. texto escrito ao som de Eu não existo sem você. Música de Tom Jobim.Interpretação de Maria Bethânia https://www.youtube.com/watch?v=dpiC2uHgKpE

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