sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Territórios sensíveis- 18/09/15. Enfermaria B -Hoje é dia de cinema, bebê!

Contrastando com o calor, o caos e o trânsito de uma sexta-feira tipicamente carioca, o lugar escolhido hoje para abrigar a sessão semanal de Cinema e Hospital parecia um oásis. A começar, o silêncio que cercava o espaço.É que seus ocupantes,quase todos,ainda nem tocam o chão e mal sabem falar. A maioria, aliás, não completou o primeiro ano de vida. Entretanto, encontram-se hospitalizados, junto com seus pais. Eles, os responsáveis, são o foco da atividade de hoje, uma vez que também fazem parte das experiências geralmente direcionadas aos filhos. O público se compunha de quatro pequenos pacientes: Ana Maya, Davi, Maysa e o belo Miguel, em seus prováveis 10 meses de vida. Embora sejam necessários muitos cuidados com os pacientes, a enfermaria B é a mais silenciosa de todas nas quais estivemos. Talvez porque seus ocupantes ainda tirem boas sonecas e manifestem seus desejos costumeiramente através de um choro discreto, que é logo atendido por alguém. Nossa chegada é muito bem recebida e o pai de Miguel comenta feliz que é a primeira vez que seu filho vai ao cinema. O filme escolhido é Kiricoum, uma lenda africana sobre um menino que nasce muito pequeno, mas, apesar do tamanho, vive diversas aventuras e salva sua família e aldeia de uma feiticeira supostamente malvada (#alertadespoiler). Logo na nossa chegada, a mãe de Ana Maya diz que já conhece o filme, mas ainda assim quer assisti-lo. Antes, porém, resta-nos a dificuldade de dar à enfermaria um ar mais cinematográfico, por assim dizer, transformando a cortina da janela em tela de cinema. Tela pronta, luzes apagadas, o filme já pode começar.Logo no início somos brevemente interrompidos por duas moças, que trazem doações de fraldas e objetos de higiene para os bebês e até param por algum momento para ver o filme.Por esse viés, os laços de solidariedade e afeto permanecem reforçando a ideia de territórios sensíveis. E é assim que Miguel, apesar da pouca idade, acompanha o filme (um longa metragem) com algum interesse, mesmo em alguns momentos não se fixando muito na tela, mas no pacote de fraldas, no shampoo, no móbile sobre seu leito, etc.. O mesmo não se pode dizer dos pais,que seguem com atenção as aventuras de Kiricoum e até a enfermeira, que se senta confortavelmente em uma cadeira pra assistir.Parece-nos que a narrativa fílmica,aos poucos e ainda com interrupções, convoca os olhares e convida a uma pausa cotidiana para vivenciar aquela experiência.Nessa enfermaria as interrupções foram menores, apenas com uma ou outra troca de fraldas. É interessante relacionar o tema do filme, um bebê bastante corajoso, com o cotidiano dos pacientes da enfermaria B, também pequenos, tendo que, de alguma maneira, serem fortes para enfrentar o cotidiano no hospital. Também seus pais parecem mais conectados com a experiência fílmica, interagindo com os filhos e o filme, sem deixar de acompanhar cada detalhe da história. Mas, do lado de cada da tela também há narrativas interessantes, quando se nota que é a primeira vez que vemos um paciente acompanhado pelo pai. Via de regra, são mães e avós que ficam com as crianças. No entanto, o pai de Miguel age com naturalidade, alimentando-o e acalentando-o e sendo por sua vez acalentado pelo filme. Em dado momento, pai e filho aconchegam-se em uma poltrona, concentrando-se (dentro das possibilidades etárias de cada um) na narrativa que se desenrola na tela. Da mesma forma, quase todos os responsáveis têm seus olhos fixos na tela, aguardando nosso pequeno herói, Kiricoum, realizar suas aventuras. Em seu filme, ele salva a aldeia e cresce ante os assombrados olhos de seus conterrâneos. Também nós, tocados pela imensa experiência afetiva vivenciada hoje, nos tornamos maiores, mais fortes e mais humanos. É impossível não se sensibilizar ao ver um pequeno bebê como Davi ou Ana Maya ou mesmo os belíssimos Maysa e Miguel, presos a equipamentos de hospital. A simples visão de seus rostos comoveria o mais frio dos sujeitos. A eles resta o colo dos pais e o carinho dos profissionais de saúde. Mas e o pais?Quem cuida deles?Quem pode dizer-lhes que não estão sozinhos e fornecer algum instrumento para que, por alguns momentos esqueçam onde estão e quanto tempo falta para voltarem pra casa?Seria o cinema uma saída possível? Talvez não seja a única. Contudo,daqui de onde vemos,parece ser a mais sensível.

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